É noite. Está um friozinho de fim de ano.
Enquanto janto, lembranças vêm em minha mente, ativadas pelo pacote que recebi após o crepúsculo.
Há alguns dias tenho observado com mais atenção aos detalhes do dia a dia.
Os vizinhos, as crianças, o clima.
Tudo está aparentemente normal.
É aquele velho ditado "vida que segue".
Desde que recebi a notícia, sigo os dias assim, com rotina, com o vazio que ficou.
Pela janela ainda escuto quando ele vem chamá-la, mas ninguém atende.
Ele não sabe o que aconteceu.
Eu também não queria ter sabido...
Talvez seja a sorte dele não ser capaz de compreender um fato tão triste, pois, desde então, me esforço para não pensar no que ocorrido.
Mas hoje, ouvi batidas em minha porta.
Era a tutora.
Em suas mãos havia um pacote. Em breves palavras, ela me explicou a decisão feita.
Agradeci, fechei a porta. Lágrimas escorreram em meu rosto.
Talvez eu tenha absorvido a energia contida naquele objeto que outrora pertenceu a outra pessoa.
Esta, que jaz.
Talvez fosse a mistura da minha própria parte que compartilhou do luto ao receber a notícia sobre o falecimento dela.
Até então, talvez houvesse em mim alguma esperança de que era um engano.
Possivelmente era só eu em negação.
Todavia, hoje este fato se tornou real.
Fui a escolha para possuir os objetos pertencentes a quem se foi.
Isso doeu!
Sei que foi uma escolha nobre, dada a minha reputação sobre o cuidado que tenho com os da mesma classe.
Porém, isso não tira o aspecto emocional atribuído a minha responsabilidade em apenas agradecer, absorver até certo ponto, e liberar a energia contida.
Até hoje, tinha apenas visto ela em um breve sonho, que me chamou muito a atenção no dia.
Agora entendo todos os sinais e os detalhes diários como alguém que segue a vida, guardando lembranças, potes especiais, colecionando detalhes em uma colcha de retalhos da memória daqueles que se foram e daqueles que ficaram.
Esse é o ciclo da vida que a Vida me ensinou ao lembrar-me diariamente de que nós não esquecemos ou abandonamos os nossos mortos.
Eles seguem vivos como uma energia ou uma fantasia, está é a nobreza que nos e lhes resta.
É...hoje deparei-me com a realidade de que Ela não vai mais voltar, entretanto, seguirá eterna em nossos corações e agora se chama Saudade.
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